Descubro com pesar que me esqueci do aniversário do poeta sobre o qual gostaria de falar no Conversa entre ruínas em janeiro: W. D. Snodgrass. Nascido no dia 05 de janeiro de 1926, Snodgrass foi pioneiríssimo no modo confessional, embora, como tantos outros artistas vinculados ao termo, o tenha rejeitado. Mas foi através do pensamento de Snodgrass sobre seus contemporâneos que consegui chegar à compreensão mais interessante da ideia de confissão em poesia — e como vim falando de Sylvia Plah, Anne Sexton e autoficção, nada mais natural que dar sequência com esse poeta rebelde e maravilhoso. Esqueci e vai ficar pra uma próxima.
Ao pesquisar, porém, outros nomes para a edição de janeiro, descobri uma lista de lindos poemas intitulados “January”. Por que não arregaçar as mangas e traduzir algo novo? Usar o Substack para correr um pouco de risco. E foi assim que esse pequeno poema invernal de William Carlos Williams ganhou uma tradução brasileira:
Janeiro — William Carlos Williams De novo respondo aos triplos ventos, com seus cromáticos quintetos, zombando à minha janela: Mais alto. Não vão vencer. Quanto mais me bombardeiam para segui-los, mais agarrado fico às minhas frases. E o vento, como antes, dedilha perfeitamente, sua música debochada. tradução: Júlia C. Rodrigues
A poesia mais conhecida de Williams é, sem dúvida, aquela que cabe no rótulo imagista: se caracteriza pela forma sucinta à procura da “palavra exata”. "The Red Wheelbarrow” é, nesse sentido, exemplar. O vermelho do carrinho, ao lado das galinhas brancas, tornou esse poema inesquecível e amplamente popular. Geralmente pensamos no imagismo como, literalmente, imagem visual, com cores e formas nítidas. Mas não se trata disso e “January” é um exemplo excelente: as palavras mais precisas do poema — “triple winds”, “chromatic fifths” — procuram traduzir a imagem sonora dos ventos. Esse é um poema muito imagista que não possui uma única cor, uma forma sólida nítida.
Além de ter bastante imagista em suas escolhas, sua metalinguagem traduz a jornada do imagismo: as rajadas poderiam facilmente distrair o poeta, mas ele se nega a seguir o vento, seja num movimento físico ou num vaguear imaginário, insistindo na escrita do poema. Os ventos são triplos e o poema também: na primeira e na terceira estrofe, o poeta escreve; na estrofe do meio, ele dialoga diretamente com o vento insistente. O eu-lírico não admite a dificuldade de se render a seu apelo, mas ela fica nítida pela irritação do diálogo. A escrita prega essas peças com a gente: o bloqueio pode ser tão desconcertante que chamamos até o vento pra briga por cima dos papeis em branco.
Pairo também na palavra “perfectly” e penso na ambição imagista pela “palavra exata, não quase exata, nem apenas decorativa” como o desejo por um tipo de perfeição. O vento dedilha “perfeitamente” e o poeta, mesmo que inabalavelmente agarrado à sua frase, se dá conta de que não pode criar música tão perfeita quanto o vento. Mas há, de toda forma, um poema de pé no meio do vendaval.
Um bom janeiro pra você. Obrigada por me ler.
conversa entre ruínas é uma publicação independente. todo apoio é bem-vindo para que eu possa escrever sempre. inscreva-se para não perder nenhum post.
que leitora, tradutora e escritora fina. siempre. <3
Que alegria ter você como leitora 🎇 obrigada!