desastradas #1 Desorganização dá trabalho
estreando a série "crônicas desastradas" com melancolia de fim de ano
DUKES, Hunter. “Flowers of Fire: Illustrations from Japanese Fireworks Catalogues (ca. 1880s)” The Public Domain Review. Acesso em 28 de dezembro de 2024, às 10:28.
24 de dezembro foi um dia de brindes, mesa farta e risada. 25 de dezembro foi um dia de louça suja, cansaço e solidão. São dois movimentos opostos, mas conectados, do fim do ano. Aguardo e receio essa oscilação. Do lado de fora, chuvas intensas fazem dias invernais no coração do verão. Misturo os dias da semana e do mês. Até primeiro de janeiro será assim. Entre o Natal e o Ano Novo o tempo passa devagar, uma ressaca de esperança natalina que culmina no branco e dourado barango do réveillon. Enfim um recomeço, mesmo que sem expectativas.
Tento cultivar hobbies, mas me canso de todos. Há um conjunto limitado de objetos que quero modelar e ele se esgota mais rápido do que imaginei. A pintura parece pertencer a outra pessoa. Abro livros um após o outro com atenção, mas sem entusiasmo. Quero mudar móveis de lugar, organizar pilhas de papeis do ano velho, limpar cantos que não alcanço todo dia. Penso que o que procuro é um novo aconchego para minha casa. Mas talvez esteja simplesmente atrás de uma forma de estar cansada de novo.
Separei, há algumas semanas, meu contato em dois: um pessoal, outro profissional. Um celular doado viabilizou esse projeto. Deixo meus contatos da empresa nesse aparelho de segunda mão, ainda assim superior ao meu mais antigo. Ele poderia ficar guardado até fins de janeiro, resguardado pelas férias sindicais, mas insisto em verificar toda manhã as mensagens corporativas para me certificar de que essa esfera de minha vida continua preservada: essa leveza de férias não pode ser tão frágil e sem rumo que não dê conta de voltar a uma rotina mais estruturada que, afinal, sustenta as despesas do meu viver total.
Tenho raiva do tamanho da minha obediência e me pergunto porque me desorganizar dá tanto trabalho. Acordo no sábado tentando me lembrar da citação completa de Walter Benjamin sobre a arte de estar perdido. Encontro mais do que busco: “Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. [...] Essa arte aprendi tardiamente; ela tornou real o sonho cujos labirintos nos mata-borrões de meus cadernos foram os primeiros vestígios”. (“Infância em Berlim”, em tradução de José Carlos Martins Barbosa). Tenho desejo de passar um ano inteiro me instruindo na arte de estar perdida nos labirintos da cidade e também do meu ócio.
Temporais intermináveis anunciam catástrofes.